Em nota pública, a Comissão de Liberdade Religiosa informa que irá levar o caso ao Ministério Público Federal para que investigue a conduta do ator e dos demais agentes responsáveis pela exibição da peça.
A Comissão de Liberdade Religiosa da OAB/CE emitiu uma nota pública, com duras críticas à peça apresentada no dia 17 maio, pelo ator Ari Areia, na qual ele, apresentando-se seminu, chegou a tirar o próprio sangue e jogar sobre uma imagem de Jesus Cristo crucificado.
A performance fez parte do seminário “Conversas empoderadas e despudoradas sobre gênero sexualidade e subjetividades”, realizado no auditório Rachel de Queiroz, da Universidade Federal do Ceará (UFC) e também recebeu críticas na Assembleia Legislativa do Estado, além de muitos comentários cheios de revolta nas mídias sociais.
Segundo Junior Ratts — organizador do seminário realizado na UFC — as pessoas que criticaram a peça “não sabem que o gesto artístico não se tratou de uma nudez gratuita, mas sim de um ato singelo de humanidade que trouxe à tona a dor que alguns indivíduos trans sofrem por não serem aceitos por seus familiares, amigos e até por si mesmos”.
“A performance foi aplaudida de pé por uma plateia comovida que soube estar presente a um evento que tratava justamente sobre a liberdade de SER O QUE SE É em um momento no qual o país vivencia um série de retrocessos, principalmente quando se trata de cidadania LGBT e mais ainda quando se refere à cidadania trans”, acrescentou.
A nota pública — compartilhada pelo próprio presidente da Comissão nas mídias sociais — é resultado de um encontro realizado pela Comissão de Liberdade Religiosa da OAB / CE, com o objetivo inicial de promover um debate sobre o assunto, dando até mesmo a oportunidade para que Ari apresentasse seus pontos de vista na sessão, porém o ator não compareceu ao local.
Além de considerar que a performance em questão ultrapassou os limites da liberdade de expressão, a nota também informa que irá “oficiar ao Ministério Público Federal para que investigue a conduta do ator e dos demais agentes responsáveis pela exibição da peça, tomando as medidas que julgar apropriadas para restaurar o império da lei, da paz e da tolerância”.
Liberdade de expressão?
Falando com exclusividade ao Guiame, o presidente da Comissão de Liberdade Religiosa da OAB / CE, Dr. Robson Sabino explicou que a nota está surgindo como um posicionamento oficial diante de pronunciamentos da própria UFC, da Secretaria de Cultura e também como uma resposta à solicitação formal, apresentada por uma advogada, pedindo que a Ordem dos Advogados tomasse providências.
“Nós não poderíamos ficar omissos. Advogados compareceram à sessão, expuseram seus pontos de vista e pediram que a OAB tomasse providências. Sendo assim, isso saiu da minha esfera de presidente, para que fosse colocado para o colegiado, permitindo que os membros da Comissão decidissem se ele [ator] agiu dentro dos limites de liberdade de expressão ou se foi além desse direito constitucional, se ele foi ofendeu, vilipendiou… Tudo isso foi debatido aqui e a Comissão chegou a algumas conclusões”, explicou.
A Comissão de Liberdade Religiosa da OAB/CE emitiu uma nota pública, com duras críticas à peça. (Foto:Guiame/João Neto)
“Por unanimidade, a Comissão decidiu que ele agiu além do direito de liberdade de expressão, que ele usurpou da liberdade das pessoas e que ele vilipendiou um símbolo cristão”.
Dr. Robson também explicou que a Comissão tem justamente o objetivo de defender a liberdade de expressão dos cidadãos, porém a peça em questão foi considerada um ‘ato de intolerância’.
“O objetivo principal da Comissão é conscientizar as pessoas sobre o respeito à liberdade de expressão, à tolerância e em situações pontuais, a gente também vai atuar de forma enérgica, combatendo atos de intolerância como esse que aconteceu”, acrescentou.
Violações
Além das ofensas em nível religioso, o ator também teria violado, segundo os membros da Comissão, normas sanitárias no ambiente acadêmico, ao usar de um procedimento de retirada do próprio sangue, sem o acompanhamento de um profissional habilitado.
“Para além da liberdade religiosa, não podemos deixar de analisar o contexto. […] Se no auditório do curso de Psicologia, alguém usa escalpe, agulha, tubo coletor para aspergir sangue… também existe essa questão, junto ao vilipêndio”, destacou o Dr. Cândido Alexandrino, que é membro da Comissão e mestre em Direito.
Segundo Alexandrino, a investigação e possível comprovação deste agravante poderia acrescentar mais força a uma ação da Comissão neste caso.
“Se a OAB pode fazer essa investigação, com a solicitação de ajuda técnica de outros órgãos, isso torna a ação da Comissão mais forte ainda. Analisa-se pelo conteúdo e pela forma como foi feita”, afirmou.
Denúncia
A denúncia foi inicialmente apresentada à OAB pela advogada evangélica Juliana Assunção, que foi alertada por Bruna Assunção, sua colega de trabalho, que é católica.
“O que me preocupou e me ofendeu foi ver a imagem de Jesus sendo associada tanto à nudez, como à aspersão do sangue e também porque casos como esse têm sido recorrentes em vários locais do país”, explicou.
Com a imagem de Jesus já posicionada, o ator se prepara para retirar seu próprio sangue. (Foto: Junior Ratts)
“Nós nos sentimos ofendidas e procuramos a OAB e a Comissão de Liberdade Religiosa para saber o posicionamento deles. Depois recebemos a notícia de que haveria esta reunião para debater o assunto”.
A advogada ainda lembrou que a liberdade de expressão não é absoluta, considerando que este direito não deve ferir a fé ou dignidade de outras pessoas.
“A liberdade de expressão se restringe até onde você não fere o direito do próximo. Ele [ator] teria total liberdade para manifestar o pensamento dele, desde que não ofendesse um símbolo cristão ou de qualquer outra religião/grupo. A liberdade é limitada, no momento em que você fere a honra e dignidade de outros grupos”, disse.
Ao comentar a polêmica, o ator explicou que sua intenção é expor depoimentos de transexuais que são “vítimas de preconceito e violência”.
“Quando a gente usa uma imagem do Cristo não se trata um ataque à religião, a figura do Cristo é um paralelo à realidade desses homens porque o entendemos como um mártir, assassinado injustamente”, explicou Ari em depoimento ao jornal O Povo.
FONTE: GUIAME, JOÃO NETO