“Se um homem se deitar com outro homem como quem se deita com uma mulher, ambos praticaram um ato repugnante. Terão que ser executados, pois merecem a morte”. A passagem está na Bíblia, mais precisamente no livro de Levítico 20:13. A sociedade da época do texto considerado sagrado pelas religiões cristãs, porém, era outra: ele foi escrito entre 1500 e 450 a.C.
Muitos séculos depois, a realidade já é bem diferente e as transformações sociais permitiram que distintos tipos de amor se integrassem à convivência coletiva. O preconceito, claro, ainda existe, mas até mesmo algumas igrejas vêm trabalhando para combatê-lo. É o caso da Batista do Pinheiro, em Maceió, que, em uma decisão inédita entre as evangélicas, permitiu que homossexuais se tornem membros da denominação.
A decisão foi tomada em assembleia extraordinária realizada no último dia 28 de fevereiro e teve maioria absoluta de votos dos presentes: 129 se posicionaram a favor, três foram contrários e 15 se abstiveram. Comandada pelo pastor Wellington Santos, a congregação já vinha trabalhando o tema há dez anos – desde 2005 a abertura para gays é discutida no templo do Pinheiro.
O início foi mais conturbado, mas o ministro conta que aos poucos o tema foi sendo aceito. “A comunidade, de forma muito amorosa e respeitosa, foi permitindo que irmãos e irmãs homossexuais pudessem exercitar seus dons de forma espontânea. Na Igreja Batista do Pinheiro, nossos irmãos e irmãs já foram aceitos em amor, nos corações e na convivência harmoniosa”, diz.
Ele destaca que homossexuais já participavam de atividades como a escola bíblica, a comissão jurídica e o Ministério de Juventude. Com a mudança de mentalidade, agora eles poderão ser batizados. E o pastor cita justamente a Bíblia como norte para as decisões da congregação – e também para responder aos apontamentos de que eles seriam uma igreja “aberta demais”.

Pastor diz que homossexuais são recebidos com amor

“Jesus foi rotulado pelos fariseus de muitas coisas que eram inverdades (Mateus 10:24-26 e 11:19). Não perdemos tempo rotulando ninguém. É bom destacar que ser considerada uma igreja aberta por amar incondicionalmente e seguir radicalmente o caminho de Jesus quando afirmou que não veio julgar e sim salvar (João 12:47), para nós é elogio. Não queremos ser juízes de ninguém, mas sinal de esperança e descanso para os que estão cansados e sobrecarregados com julgamentos e acusações (Mt. 11:28-30)”. Ameaças
Segundo o pastor, a decisão de que homossexuais pudessem ser membros da igreja foi um processo longo. Além de debatida durante uma década, a questão também foi alvo de “muita oração, reflexão, estudos bíblicos e acima de tudo um exercício de escuta pedagógica e espiritual profunda”, como ele revela. O que não impediu, contudo, a revolta de alguns.
Depois da abertura da comunidade evangélica para essa nova realidade, ele vem recebendo ameaças em uma rede social e até atender uma simples ligação se tornou algo complexo. “Até o telefone estou atendendo com cuidado. Tem muita gente ameaçando. Se você for na minha fanpage do Facebook consegue ver lá. Tem gente me xingando, me agredindo. Está público”.
As intimidações não são novidade para o sacerdote. Ao longo do processo de debates, a esposa dele, Odja Barros, também foi ameaçada. Na época presidente da Aliança de Batistas do Brasil, ela manifestou, em uma entrevista, a opinião favorável não só à abertura da igreja, mas também à aprovação do reconhecimento da união civil de pessoas do mesmo sexo no Supremo Tribunal Federal (STF).
“As ameaças chegaram via e-mail”, lembra Wellington Santos. “Ela era presidente da Aliança de Batistas do Brasil e manifestou sua opinião como presidente em nome deste grupo. Lidamos com as ameaças de forma tranquila, até porque nossa igreja tem nos protegido e nos livrado das maldades humanas com muito amor e oração”, ameniza o sacerdote.

Revolta
Na rede social, internautas miram a revolta tanto no pastor quanto na igreja em si. Um deles chama o templo de “sinagoga do Satanás” e diz que ele “rasga a Bíblia e prega um falso amor que levará muitos ao inferno”. Outro revela estar “enojado” e afirma que a “ira de Deus se revelará no juízo final”. Até acusações de apologia a crimes como a pedofilia podem ser encontradas nos comentários.
O reverendo não se deixa abalar e ressalta que a diferença em relação às demais denominações evangélicas é que, no Pinheiro, não é preciso esconder a condição sexual por medo de rejeição ou exclusão. Ele afirma que a visão das religiões sobre a homossexualidade é algo amplo, mas ele destaca que, na Batista, “o que a igreja pensa é o conjunto daquilo que pensam todas as pessoas que a compõem” – e a decisão foi tomada pela maioria.
“O que a Igreja Batista do Pinheiro fez revela que, mesmo não tendo todas as respostas para a questão da homossexualidade na Bíblia ou na doutrina histórica, decidimos seguir o caminho do amor. O que afirmamos é que cremos no amor e na misericórdia divina”, conta. “Como igreja vamos continuar estimulando o respeito, paciência e amor com relação aos que pensam diferente acerca de qualquer assunto”.

Igreja Católica acolhe homossexuais
Na Igreja Católica, a temática também tem sido bem-aceita, como diz o padre Manoel Henrique. De acordo com ele, não há proibições para que homossexuais se batizem e participem da comunidade – dos movimentos até a comunhão e a liturgia – e o posicionamento é estimulado inclusive pelo Papa Francisco, líder máximo dos católicos apostólicos.
“As igrejas evangélicas têm um olhar mais moralizante em cima das opções sexuais. A Católica está revendo sua praxe pastoral e sacramental de acordo com a orientação do Papa Francisco, que este ano pediu que realizássemos o ano santo da misericórdia, para não excluir ninguém da comunidade por razões de qualquer ordem. Jesus Cristo não fez um evangelho moralista; ele fez para acolher quem quer trabalhar pelo reino de Deus”.
Ele também diz que a Bíblia não deve ser usada como única diretriz na hora de se pensar a presença de gays dentro da religião. O sacerdote afirma que as passagens que tratam do assunto são “minúsculas” e estão todas no Antigo Testamento, não incidindo na prática da igreja de uma maneira geral.
“No tempo dos judeus, por exemplo, não se comia carne de porco. Até hoje eles não comem, inclusive. Vai se prosseguir com isso? Não. Há muitas coisas que são próprias de cada tempo e essa questão da homossexualidade não entra no quadro dos 10 mandamentos, assim como o evangelho não traz nenhuma criminalização em cima dos homossexuais”, afirma.

Assembleia de Deus não batiza gays

Assembleia de Deus diz que é contrária por se “basear na Bíblia”

O mesmo pensamento não acomete, contudo, outras denominações. Com 1.500 templos e 170 mil
membros, além de 30 a 40 mil frequentadores esporádicos, a Assembleia de Deus diz se guiar pelos escritos bíblicos na hora de pensar a homossexualidade – por isso, a questão continua sendo tabu por lá e homossexuais não podem fazer parte da congregação efetivamente.
Pastor, teólogo e bacharel em Direito, José Laelson da Silva afirma que gays podem frequentar os cultos, mas não ser batizados. “Não oportunizamos que a pessoa que está na prática do homossexualismo* se torne membro da igreja. Recebemos quem porventura se diga homossexual e as portas estão abertas sem nenhuma discriminação, mas não permitimos que se torne membro, o que acontece pelo batismo nas águas”. Ele destaca que o mesmo vale para outras “práticas reprovadas pela Bíblia”, como o adultério e o alcoolismo. Para se batizar, é necessário que o interessado “largue a prática” – no caso de um homem casado, sua amante, por exemplo. “Se a pessoa não quiser deixar, nós respeitamos, mas não batizamos, porque não temos essa obrigação”, acrescenta o sacerdote.
Na opinião dele, as religiões não devem se adaptar às pessoas, mas sim o contrário. Laelson expõe que seria impossível às igrejas se adequarem a um “mundo mutável, que cria novos comportamentos a cada dia”, mas que algumas concessões já foram feitas, como a abertura para o divórcio e a aceitação da pílula anticoncepcional. Mudanças “salutares e positivas”, classifica ele.
“A igreja já se adaptou, mas a mudanças salutares, que contribuíram para o bem-estar das pessoas”, diz. “Na questão do homossexualismo e das drogas é diferente. No Congresso Nacional tramitam projetos para legalização das drogas. Vamos admitir, hipoteticamente, que no futuro as drogas sejam liberadas. A igreja evangélica vai aceitar membros que se droguem? Claro que não. Há mudanças salutares que a igreja abraça por entender que elas são positivas, mas outras se chocam frontalmente com a Bíblia”.
Ainda assim, ele diz que a Assembleia de Deus respeita o posicionamento das demais congregações. “Respeitamos o posicionamento de outras igrejas que dão abertura para que pessoas que estão na prática do homossexualismo sejam membros. Respeitamos a individualidade das pessoas e das igrejas. O que sei é que essa não é a postura da Igreja Batista no Brasil, que mantém o mesmo posicionamento das demais igrejas, pois tem como base as escrituras sagradas”.

Grupo Gay comemora decisão da Batista

Nildo Correia comemora avanço da igreja Batista

Membro do Grupo Gay de Alagoas (GGAL), Nildo Correia questiona essa visão. Segundo ele, os textos bíblicos trazem passagens relacionadas à sodomia – práticas consideradas como perversões sexuais – e não à homossexualidade. Ele também faz duras críticas a correntes religiosas que, na opinião dele, lucram com a crença dos fiéis que as procuram.
“Se a gente for levar a fundo, o comércio da religião também é pecado. Infelizmente vivemos em um mundo onde as regras só servem para a casa do vizinho. Hoje, muitas igrejas arrecadam com a palavra de Deus e a Bíblia mesmo é contra isso. E outra: a Bíblia também é clara. Ela não fala em homossexualidade, fala em sodomia. Sodomia é promiscuidade e pode ser um gay ou um hetero”.
Ele enxerga a ação da Igreja Batista do Pinheiro como positiva e lembra que a congregação vem trabalhando há vários anos na inclusão da população LGBT dentro do meio religioso. Em 2014, inclusive, o templo chegou a ser espaço de um culto em solidariedade às vítimas da homofobia, além de ter participado do ciclo de ativismo realizado pelo GGAL.
“A Igreja Batista do Pinheiro é um dos grandes parceiros do movimento contra a homofobia aqui em Alagoas”, afirma. “Quem começou todo esse trabalho foi o pastor Wellington. Lembro que houve alguma repressão por parte dos fiéis, mas ele conseguiu seguir adiante. Vários homossexuais, inclusive do movimento LGBT, participam e frequentam a igreja. O primeiro passo, que é o grande passo, é a aceitação”, acrescenta.

Batista do Pinheiro: decisão permite que homossexuais sejam batizados

Frequentadora da Igreja Batista durante anos, Rebeca Santos aprova a abertura. “Senti que foi uma decisão ousada (no lado bom da palavra), segura e consciente. Afinal, eles estudaram o tema durante anos e sabiam o que estava em jogo. Eles estão de parabéns pela coragem de abordar um tema que incita tanto ódio no meio evangélico”, afirma ela, que é homossexual.
“Eu sinto que a Igreja priorizou o segundo mandamento mais importante de Deus: amar aos outros como você ama a si mesmo e sinto também que ela teve muito empatia para com os homossexuais. Isso é ótimo, principalmente para aqueles que já frequentaram igrejas e se sentiram constrangidos a saírem, quando não são expulsos)”, acrescenta ela, que conta ter ficado irritada com os comentários dirigidos ao pastor. “Acho que isso vem da intolerância e dificuldade de adaptação aos novos tempos. Afinal, a escravidão também era aceita pela Bíblia e hoje é um ato criminoso. No entanto, não vejo tais pessoas defendendo-a, já que é bíblica, entende?”, reflete.

*O termo homossexualismo era usado para definir como uma doença a relação entre pessoas de mesmo sexo. Hoje o termo correto é homoafetividade ou homosexualidade. Fonte: http://www.noticiascristas.com/