TIAGO CHAGAS1 DIA ATRÁSFoto: reprodução/Dawid Sokołowski/Unsplash
Um escândalo sem precedentes na história do Facebook colocou a rede social sob escrutínio público após documentos internos provarem que a empresa sabia que sua plataforma era usada como meio de atração para tráfico humano.
Os documentos vazados pela ex-funcionária do Facebook, Frances Haugen, indicam que a empresa tratava os casos de tráfico humano sob o termo “servidão doméstica”, um eufemismo usado para reduzir o impacto negativo caso a polêmica viesse a público.
O escândalo foi noticiado pela rede de notícias CNN, nos Estados Unidos, e repercutido pela sucursal brasileira.
De acordo com as informações divulgadas inicialmente, o Facebook sabia, desde 2018, que traficantes usavam suas plataformas para atrair pessoas para “trabalhar dentro de casa por meio do uso de força, fraude, coerção ou engano”.
Os casos de tráfico humano consumados através do uso da plataforma envolviam, segundo documentos da própria empresa, mulheres sendo sujeitas a abusos físicos e sexuais, sem acesso a comida e/ou pagamento, além do confisco ilegal de seus documentos de viagem, como passaportes, para que não pudessem fugir de seus “empregos”.
A dimensão do problema levou a Apple, fabricante do iPhone, a ameaçar retirar de sua loja os aplicativos do Facebook e do Instagram, o que obrigou os responsáveis pela empresa a fazerem alterações na política de uso de maneira emergencial, como forma de coibir essas práticas criminosas, que foram consideradas “potencialmente graves para os negócios”.
Uma prática semelhante à escravidão foi apurada pela emissora de TV, que usou termos listados em documentos da própria empresa e encontrou contas ativas no Instagram que ofereciam a venda de trabalhadores domésticos, semelhantes às contas que os gestores do Facebook sinalizaram e removeram.
Questionado pela emissora, o Facebook removeu as contas e publicações com práticas análogas à escravidão, e o porta-voz da empresa, Andy Stone, declarou que a plataforma não é conivente com o crime: “Proibimos a exploração humana em termos inequívocos […] Há muitos anos lutamos contra o tráfico humano em nossa plataforma e nosso objetivo continua sendo impedir que qualquer pessoa que queira explorar outras pessoas tenha um lar em nossa plataforma”.
Censura
Enquanto o Facebook pouco fazia para conter o tráfico humano através do uso de sua plataforma – ao ponto de a Apple ameaçar remover as duas redes sociais da empresa de sua loja – censores contratados se dedicavam a monitorar e silenciar, seja através da redução de alcance de publicações conservadoras (popularmente tratado como “shadow banning“), seja pela pura e simples remoção desses conteúdos.
Os casos de censura a conservadores foram tantos e tão intensos que o próprio fundador da empresa, Mark Zuckerberg, admitiu em depoimento ao Senado dos EUA que, devido ao perfil dos funcionários contratados e a região onde o Facebook está sediado (Vale do Silício, Califórnia), havia um viés de esquerda predominante, que terminava por influenciar na postura da empresa em relação ao contraponto ideológico.
Segundo informações da emissora Christian Broadcasting Network (CBN News), alguns dos funcionários da plataforma passaram a censurar ou mesmo proibir organizações de notícias de direita, como a Breitbart, embora seus gerentes se opusessem a tais ações.
Um relatório obtido pelo The Wall Street Journal mostrou que, no caso específico do Breitbart, alguns funcionários do Facebook queriam banir a presença do veículo na plataforma.
O “Transparency Center” do Facebook admitiu publicamente a prática de “shadow banning” no mês passado, e uma organização de vigilância da liberdade de expressão e religiosa, chamada National Religious Broadcasters (NRB), relatou que essa postura tem como alvo preferencial as mensagens bíblicas na plataforma.
“A verdadeira extensão das políticas de distribuição de conteúdo do Facebook permanece envolta em segredo – mas a história da plataforma de suprimir as visões cristãs sobre orientação sexual e identidade de gênero, aborto e liberdade religiosa pode fornecer pistas”, disse uma representante da NRB, Noelle Garnier.
O próprio The Wall Street Journal indicou em sua reportagem que os documentos internos do Facebook mostram que há uma diretriz corrente, mesmo que informal, para que editores de conteúdo de direita sejam restringidos.
“Os funcionários e seus chefes têm debatido acaloradamente se e como restringir os editores de direita, com funcionários mais seniores muitas vezes fornecendo uma verificação da agitação da base. Os documentos vistos pelo Journal, que não captura todas as mensagens dos funcionários, não menciona debates equivalentes sobre publicações de esquerda”, dizem os jornalistas Keach Hagey e Jeff Horwitz, autores da matéria.
A plataforma de Zuckerberg, principal rede social do planeta, nega: “Fazemos mudanças para reduzir o conteúdo problemático ou de baixa qualidade para melhorar a experiência das pessoas na plataforma, não por causa do ponto de vista político da página”, disse Andy Stone, admitindo a subjetividade como critério.
Alan Dershowitz, jurista acadêmico, discorda: “Estamos chegando perto de situações em que funcionários não governamentais, e isso é o que é tão perigoso – funcionários não governamentais – Twitter, Facebook, YouTube, estão determinando o que podemos ouvir, o que podemos dizer. Você sabe que a Primeira Emenda [da Constituição dos EUA] tem dois aspectos: o direito do orador de falar, mas o direito do público de ouvir”, disse Dershowitz.
Os impactos da enxurrada de escândalos sobre o Facebook já eram esperados pelos diretores da empresa, a tirar pelo memorando do último sábado, 23 de outubro, assinado por um de seus principais executivos, Nick Clegg, vice-presidente de assuntos globais do Facebook: “Precisamos nos preparar para mais manchetes ruins nos próximos dias, infelizmente”.