Como a guerra influencia na decisão de jovens sírios dispostos a iniciar uma nova família

Fonte: Portas Abertas

Qual o sentimento de ter o dia do seu casamento se aproximando quando a nação está se encaminhando para uma guerra? Quais os desafios para jovens que acabaram de se casar, quando o dia do casamento é seguido por dez anos de guerra? Quão difícil é começar uma família em meio a essa crise?

Quando a guerra na Síria começou, Nagham Issa tinha 35 anos e sonhava há muito tempo com o seu grande dia, casar com Mousa Sankari, um homem de 38 anos, de quem estava noiva há dois anos. Mas enquanto o casal planejava esse lindo dia, tumultos que levaram a uma guerra brutal começaram, ameaçando seus sonhos e colocando seu futuro em risco.

O casal se conheceu em 2004 em um acampamento da Igreja do Nazareno em Latakia, na Síria. Ele se graduou como engenheiro eletrônico e trabalhava com o pai gerindo construções. Ela se graduou em ciências sociais. “Primeiro nos tornamos amigos. Depois viramos um casal em 2006 e, em 2009, ficamos noivos. Começamos a planejar o casamento e preparar nossa casa. Costumávamos ir para Alepo e Damasco olhar móveis e itens para a casa. Queríamos convidar todos os meus parentes de Al Ghassaniyah, um vila próxima a Idlib, de onde vim. Nosso sonho era ter uma grande festa”, diz Nagham.

Em março de 2011, os protestos e tumultos que levaram à guerra começaram no Sul da Síria. Duas semanas depois, em Latakia, as pessoas começaram a sair para protestar. Então o governo impôs um lockdown após as 18h. Os muçulmanos contrários ao governo iam para as varandas motivando as pessoas a se rebelarem. Eles gritavam frases islâmicas. Enquanto a violência se espalhava pelo país, o jovem casal estava incerto sobre o futuro.

A ajuda de Deus

O casal acreditava que depois que voltasse da lua de mel, na Turquia, as coisas já estariam melhores na Síria

“A situação era sem precedentes. Nós não sabíamos lidar com isso e pensamos em adiar o casamento. Achamos que poderíamos remarcar ou cancelar a festa e fazer apenas a cerimônia. Tínhamos planejado o casamento para uma sexta-feira, mas esse é o primeiro dia do final de semana islâmico. Depois do sermão da sexta na mesquita, eles costumavam protestar nas ruas. Seria muito perigoso fazer o casamento em um dia como esse. Então mudamos a data para uma quarta-feira. Os protestos em dias de semana não seriam tão violentos quanto os do final de semana”, relembra Nagham.

Ela acrescenta: “Duas ou três noites seguidas antes do meu casamento, ouvia pessoas gritando frases islâmicas, pedindo por uma guerra contra o regime e para que as pessoas protestassem. Eu fiquei preocupada, insegura e orei, afinal sabia que Deus é bom e nos ajudaria”.

Eles decidiram prosseguir com o casamento, pensando que os protestos acabariam depois de um tempo e a vida voltaria ao normal. Mas infelizmente as estradas entre as cidades estavam fechadas e viajar não era mais uma opção. Nagham contou: “Nós não conseguimos terminar a preparação da nossa casa. Não conseguimos comprar nossos móveis em Alepo ou Damasco. Tivemos que nos apressar para terminar as coisas”.

No dia, quase 40 pessoas deixaram de comparecer ao casamento por causa das estradas fechadas. “A maioria eram parentes meus”, ela disse. Mousa acrescentou: “Nossa felicidade estava incompleta, sabendo que nosso país passava por essa crise, com pessoas morrendo e muitos perdendo entes queridos. Nós não sabíamos quando isso acabaria. Como alguém que planejava casar e construir família, a incerteza do futuro no país me deixou muito estressado e sob muita pressão. Cada dia era um desafio, afinal a instabilidade do país era muito ameaçadora. Ninguém esperava que a guerra se tornasse o que virou. Nós pensamos que iríamos para a lua de mel e quando voltássemos isso teria acabado. Ficamos oito dias na Turquia e quando voltamos as coisas estavam piores”.

Entendendo seu papel

Mousa (ao fundo) trabalhando no Centro de Esperança, envolvido na distribuição de ajuda emergencial devido à pandemia da COVID-19

Depois da lua de mel, todos os dias uma nova cidade era atacada por rebeldes. Cada vez mais pessoas se uniam às forças rebeldes. Por outro lado, o exército sírio começou a recrutar rapazes. Mousa tinha uma licença para não servir ao exército. Ele disse: “Eu pensei em deixar o país. Preparei nossos passaportes e esperei para ver como a situação ficaria. Se em Latakia acontecesse o mesmo que em outras cidades na Síria, partiríamos imediatamente. Eu vi Deus protegendo Latakia e nos mantendo em segurança. Por ficarmos, percebi a importância do meu papel ao ajudar os pobres e deslocados. Eu agradeço a Deus por não partirmos”.

Latakia se tornou um refúgio não apenas para Mousa e Nagham, mas para muitos deslocados internos na Síria. E Deus chamou Mousa para fazer um grande trabalho entre eles. Quando questionado sobre o impacto de seu trabalho, realizado por meio do apoio da Portas Abertas, Mousa responde: “Nossa igreja é uma das primeiras e únicas igrejas que ajudam as famílias deslocadas. Até hoje, distribuímos comida, remédios, ajudamos com aluguel, investimos em projetos para geração de renda e temos um Centro de Esperança. Nós começamos de maneira voluntária, ajudando algumas famílias com dinheiro levantado pelos membros da igreja. Agora, com a ajuda da Portas Abertas, ajudamos aproximadamente 800 famílias, cerca de 120 participantes no Centro de Esperança e temos 36 projetos de geração de renda”.

“A situação econômica em nosso país se deteriorou nos últimos dez anos. Agora, como os conflitos estão limitados a certas áreas pode-se pensar que a situação econômica melhorou. Mas é exatamente o contrário. Economicamente, esse é o pior momento para a Síria. Mesmo com dinheiro, não se pode encontrar certos produtos. Eu tenho dificuldade de encontrar leite para meu filho de um ano. Seu apoio agora é fundamental para nós como cristãos neste tempo de dificuldade. Sua ajuda nos faz sentir que não estamos sozinhos. Sabemos que há esperança para nós. Eu sinto que os beneficiados dos projetos veem o cuidado e o amor de Jesus por meio da igreja. Essa é a razão pela qual tantas pessoas vieram a Jesus. Cerca de 20% dos beneficiários agora são participantes regulares nos encontros da Igreja do Nazareno e muitos participam de cursos de treinamento e discipulado”, acrescenta Nagham.

A vida em família afetada pela guerra

A princípio, Mousa e Nagham decidiram não ter filhos enquanto a situação no país não melhorasse, mas depois de um tempo resolveram não adiar mais seus planos

Alguns meses após o casamento, Nagham ficou grávida. Mas por causa da situação no país, ela ficou sob muito estresse e perdeu o bebê. “Depois disso, decidimos não engravidar antes da guerra acabar. Ficamos com medo ao vermos a situação na Síria piorando gradualmente. Depois de um ano e meio, perdemos a esperança de que as coisas melhorariam e concordamos em não adiarmos mais nossos planos”, relembra.

Hoje, Mousa e Nagham têm dois filhos pequenos, Christa, nascida em 2014, e Fadi, de apenas um ano. Quanto ao futuro deles, o casal vê o perigo crescer na Síria, principalmente porque vê as coisas ficarem cada vez piores. Mousa, com tristeza, disse: “Hoje não há gasolina, combustível, eletricidade, remédios e água suficientes, nem mesmo leite para as crianças. Além disso, a situação das escolas é miserável. A vida é difícil na Síria, mas Deus me ensinou durante a guerra a sempre fixar meus olhos nele e olhar além da destruição e medo, confiando apenas em Deus”.

Nagham acrescenta: “Eu aprendi com a guerra o que significa realmente cuidar dos outros e estar ali por eles. Quando vejo pessoas deslocadas, meu coração dói e eu oro para que Deus mude as circunstâncias e cure essa terra, fazendo-a voltar ao que era”.

Mousa e Nagham são gratos pelo apoio à igreja. “Durante os anos de guerra, nós alcançamos milhares de pessoas famintas, centenas de doentes e pessoas desabrigadas. A guerra veio de forma inesperada e parece durar uma eternidade. Obrigado por estar ao nosso lado, nos apoiando e cuidando dos sírios como parte do corpo de Cristo. Muito obrigado”.