A igreja foi criada na década de 30, trazendo alfabetização e esperança aos que estavam depressivos.

Há um lugar em Minas Gerais onde pessoas com a chamada “lepra” eram internadas compulsoriamente para receber tratamento. O lugar era uma antiga fazenda que posteriormente foi urbanizada e se transformou em um leprosário. Como não havia tanto entendimento sobre a patologia, essas pessoas permaneceram internadas não apenas para o tratamento, mas também para testes.

Com o passar do tempo, o lugar, que passou a ser chamado de “Colônia de Santa Izabel”, se tornou o maior centro de isolamento de pessoas com hanseníase. Em entrevista exclusiva ao Portal Guiame, o pastor Felipe Abreu, que morou na colônia e liderou uma igreja Presbiteriana no local, contou como os cristãos beneficiaram a região.

“A colônia de Santa Izabel é um antigo leprosário o que fica na região metropolitana de Belo Horizonte, na cidade de Betim. A colônia foi criada em 1929, onde as pessoas com hanseníase eram internadas compulsoriamente. Hoje, a colônia é chamada de Citrolândia. Na época, vinham pessoas do Brasil inteiro para serem internadas. Elas eram afastadas de seus familiares”, explicou o pastor.

“Dentre os internados se tinha protestantes cristãos, mas a administração da colônia era católica. Então muitos irmãos começaram a se reunir escondidos. Tinha presbiterianos, assembleianos e também batistas. Eles se reuniam de casa em casa, a fé deles não poderia ser exposta. Então muitos acabaram tentando construir igrejas, mas elas foram derrubadas pelas irmãs de caridade”, comentou.

A primeira igreja evangélica

Felipe explica que em 1939, surgiu a Igreja Presbiteriana da Colônia de Santa Isabel. “Antes de ser uma igreja, eles construíram uma casa e quando perceberam que não tinha mais como derrubar, eles transformaram em igreja. Hoje, essa é a única igreja tombada como patrimônio histórico dentro de um leprosário, onde faziam trabalho de assistencialismo religioso”, salientou.

“Ainda existem pessoas que moram lá. Até a década de 80 era proibido entrar na colônia de Santa Izabel, mas em 1989 as correntes foram arrancadas e as pessoas passaram a ter acesso. Para você ter uma ideia, existiam duas guaritas. De um lado ficava um soldado sadio, sem hanseníase. E do outro lado um soldado que tinha a doença. Então, as pessoas que chegavam de trem com a doença eram recebidas pelo soldado doente. Quando chegavam os enfermeiros e médicos, eles eram atendidos através do guarda sadio”, disse.

“Houve o fim da internação compulsória na década de 80, mesmo assim até hoje existe muito preconceito. As pessoas acham que a hanseníase pega que se você encostar na pessoa. Então, essa igreja foi criada e desenvolvida para atender o contexto social local. As crianças também eram atendidas. A Citrolândia hoje tem um dos piores IDHs da região e é um dos lugares onde mais matam jovens por tráfico de droga”, pontuou o pastor.

“Por um lado a gente tem o preconceito da hanseníase e por outro a consequência da violência. Além disso, existe o abandono das entidades públicas, da Prefeitura. Hoje há pessoas internadas lá, que são remanescentes na década de 30 e fazem parte de uma terceira geração que mora lá. Mas, elas vivem às custas do governo”, explicou.

A Colônia de Santa Izabel, hoje chamada de “Citrolândia” foi criada em 1929. (Foto: Reprodução).

Trabalho de coragem

O pastor Felipe conta que já visitava o lugar porque tinha dois tios internados na colônia, mas se mudou para lá quando iniciou seu ministério dentro do local. “Eu morei dentro da colônia, tive dois tios internados. Morei por causa do ministério e por causa da família. Eu ia lá quando era criança e entrava escondido. Com o ministério, tive a oportunidade de fazer um trabalho de revitalização, onde me deparei com essa situação”, disse.

“Outra contribuição que a igreja levou para a comunidade foi a educação. Quando nós pegamos algumas fichas de alguns pacientes, a grande maioria deles que eram católicos eram analfabetos e a grande parte daqueles que se declaravam protestantes eram pessoas que sabiam escrever e ler. Porque eles frequentavam escola dominical e isso acabou melhorando a situação social dessas pessoas”, ressaltou.

“A igreja também ajudou de forma espiritual, porque numa situação de abandono e isolamento, os internados sabiam que não voltariam mais para casa. Chegava morrer cinco pessoas por dia, eram como zumbis, pessoas mutiladas com feridas abertas, mosquitos, fedor. Já chegou a ter mais de 10 mil internados. Foi uma das maiores colônias da América Latina”, finalizou.

FONTE: GUIAME, KARLOS AIRES